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Ingresso de Goiana reforça necessidade de gestão compartilhada entre os municípios da RMR

Estudante de Engenharia Elétrica, Jaqueline Martins mora em Goiana e conhece bem o caminho até a Capital. Todos os dias, ela cruza a parte norte da Região Metropolitana do Recife (RMR) para ter acesso à faculdade. A volta para casa é o que mais a incomoda: como o trajeto só conta com uma linha de ônibus, depender do transporte público tornou-se inviável.

A situação é compartilhada com os outros 19 estudantes que dividem espaço com ela numa van diariamente. Pelo transporte particular, cada um desembolsa R$ 220 por mês. O ingresso de Goiana na RMR trouxe boas perspectivas para o grupo. “Ficamos animados com a notícia, porque deve trazer mais desenvolvimento para o município, inclusive mais linhas de ônibus”, destacou a jovem.

Contrariando essa expectativa, porém, está um levantamento divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no ano passado. A demora nos deslocamentos foi um dos quesitos do estudo que apontou o Grande Recife como a região metropolitana de maior vulnerabilidade social do País.

“Não tem ônibus direto do Recife para Abreu e Lima. Levo, aproximadamente, duas horas e meia, passando por duas integrações”, criticou Lucas Marcelino. A rotina do técnico em eletromecânica inclui um percurso por quatro municípios da RMR: morador de Abreu e Lima, ele trabalha na fábrica da Jeep/Fiat, em Goiana, e está no terceiro ano da faculdade que cursa no Recife. A quarta cidade do trajeto é Paulista, onde precisa ir só para trocar de ônibus no terminal de integração.

A inclusão de Goiana não constava na proposta original de adaptação da RMR ao que preconiza o Estatuto da Metrópole. O projeto apresentado à Alepe foi elaborado pela Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas (Condepe/Fidem), órgão do Poder Executivo responsável pelos estudos para construção do novo modelo de região metropolitana. A incorporação da cidade da Mata Norte está na Lei Complementar nº 382/2018, sancionada pelo governador Paulo Câmara em 10 de janeiro, a partir de emenda modificativa do deputado Ricardo Costa (PMDB), acatada pelo Plenário da Assembleia no fim de 2017.

Prefeito de Goiana em exercício, Eduardo Honório comemorou a notícia. Também garantiu que o problema de mobilidade do município já está sendo estudado, com a implementação de mais linhas para fazer o trajeto até o Recife. Citou, ainda, a possibilidade de uma malha metroviária para Goiana. “A cidade está sendo preparada para o futuro. Não podemos mais esperar”, frisou.

Nem toda a população goianense enxerga vantagens. Presidente do Sindicato dos Empregados no Comércio, Cíntia Lima avalia que “faltou clareza”. “Foi tudo muito rápido. Em menos de um mês, a possibilidade de inclusão já virou lei”, argumentou, observando que o processo e os benefícios para os cidadãos de Goiana deveriam ter sido explicados.

“Diante disso, não posso nem me colocar contra ou a favor. Vamos ter que aguardar para medir os resultados”, declarou. Cíntia também vê com desconfiança o modelo de gestão compartilhada entre os municípios da RMR, previsto na nova legislação: “A princípio, vejo que vamos ter pessoas de fora da cidade nas reuniões para decidir o futuro de Goiana”.

Para o prefeito, “a mudança para a Região Metropolitana trará benefícios em todos os aspectos”. Elencou o turismo, já que o município conta com extensa faixa de praia, e a segurança como algumas das áreas que têm a ganhar. “Tudo o que for implementado para combater a violência no Recife deverá ser aplicado em Goiana também, porque agora fazemos parte do mesmo grupo”, observou.

A facilidade para participar de programas nacionais de crédito foi outro ponto levantado por Honório: “A agência da Caixa Econômica onde íamos para tratar dos assuntos da cidade fica em Caruaru (Agreste). Com o acesso ao Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana, vamos direto ao Recife, muito mais perto”.

De acordo com a Condepe/Fidem, à época das pesquisas para elaboração do projeto, “não foi pensado, nem feito estudos, a respeito da inclusão de novos municípios, pois esse assunto poderia ser alvo de discussões pós-implantação da governança metropolitana”. Apesar disso, o presidente da agência, Bruno Lisboa, avalia que o ingresso de Goiana é positivo para a RMR.

Responsável por quase metade da população do Estado e aglutinadora de 63% do PIB pernambucano, a Região Metropolitana do Recife foi criada na década de 1970 e contava, à época, com apenas nove municípios. A inclusão de Goiana leva mais 79 mil habitantes ao conglomerado. Com um PIB absoluto de R$ 3,8 bilhões (2015), a cidade da Mata Norte tem como principal atividade econômica a indústria, de onde advém um terço desse valor.

Tramitação – Apresentada pelo deputado Ricardo Costa, a Emenda Modificativa nº 1também defendeu a incorporação de Escada e Vitória de Santo Antão (ambas na Mata Sul) à RMR, o que foi refutado. A justificativa estaria na evidência de movimento de conurbação (quando os limites entre cidades desaparecem) e na existência de integração socioeconômica, socioambiental e de serviços nos municípios. Mesmo o ingresso de Goiana foi acatado pelo Plenário sem unanimidade. Quatro votos contrários à proposta foram registrados – dos deputados Aluísio Lessa e Isaltino Nascimento (ambos do PSB), Edilson Silva (PSOL) e Terezinha Nunes (PSDB).

A possibilidade de Goiana perder incentivos fiscais do Programa de Desenvolvimento de Pernambuco (Prodepe), maiores para cidades que não integram a RMR, foi levantada pelos parlamentares do PSB na ocasião. “Apesar de mais distante do Porto de Suape, a Jeep/Fiat foi para Goiana porque a localidade tem maior isenção do Prodepe, 10% a mais do que o Cabo de Santo Agostinho”, argumentou Isaltino. Somente em 2017, a empresa transportou, via Porto de Suape, mais de 65 mil veículos com foco em exportação.

Já Aluísio Lessa criticou a ausência de um debate amplo sobre o tema com os cidadãos do município: “A decisão deve vir de um instrumento mais democrático do que apenas o desejo de quem está no mandato de vereador ou prefeito”.

Ricardo Costa ressaltou que “o Prodepe já prevê para os setores de automobilismo e de farmacoquímicos o mesmo percentual de benefício concedido a indústrias instaladas fora da Região Metropolitana”. Dessa forma, o parlamentar argumentou que os empreendimentos da Jeep/Fiat e da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) contariam, de qualquer modo, com a vantagem. “O que não podemos permitir é a evasão de recursos de Goiana para outras cidades, ou mesmo para a Paraíba, por que as pessoas que trabalham no município não moram lá”, declarou.

Uma possível alta no custo do transporte público metropolitano foi pontuada com preocupação por Terezinha Nunes. “Incluir o município sem um estudo pormenorizado da repercussão no valor da passagem pode gerar aumento de tarifa. Como vamos explicar isso depois para a população?”, questionou.

Em dezembro, durante Reunião Extraordinária conjunta das Comissões deJustiça, Finanças, Administração Pública, Negócios Municipais e Cidadania para apreciar o projeto, estiveram presentes 11 dos 15 vereadores de Goiana, assim como o prefeito Eduardo Honório, e todos apoiaram a emenda de Ricardo Costa. “O município tem muito o que agradecer, inclusive porque esse é um pleito antigo”, ponderou o gestor municipal.

Gestão de resíduos sólidos e mobilidade preocupam

Reflexões em que haja a prevalência do interesse comum sobre o local devem nortear as decisões adotadas para a Região Metropolitana do Recife a partir da implementação da Lei Complementar nº 382/2018. Exigida pelo Estatuto da Metrópole, a nova norma impõe o desafio de tornar consensual o objetivo de 15 municípios. Entraves como a não adequação à Política Nacional de Resíduos Sólidos e a mobilidade passarão a ser discutidos de forma intermunicipal.

Moradora de São Lourenço da Mata (RMR) desde que nasceu, a assistente administrativa Natália Freitas viu-se “obrigada” a deixar a cidade no início do ano, devido a deslocamentos demorados para o Recife, onde trabalha. O trajeto total chegava a quase cinco horas diárias. Com a mudança para a Capital, consegue ir e voltar do trabalho gastando de 20 a 30 minutos, cada trecho. “Hoje tenho mais opções de ônibus e chego mais cedo em casa. Voltei a fazer exercícios físicos. Antes, era muito cansativo. Perdia tempo e qualidade de vida”, avaliou.

O técnico em robótica Airton Rodrigues, que mora em Olinda, também foi afetado pela difícil mobilidade. Após quase quatro anos trabalhando na Jeep/Fiat, em Goiana, as viagens diárias foram um dos motivos para ele deixar o emprego no final de dezembro. “Acordava às 3h30, estava no ônibus da empresa às 4h e chegava à fábrica somente às 5h15, quando ia tomar café da manhã antes de começar a trabalhar, às 6h”, contou. A possibilidade de utilizar um transporte comum não existia, porque o ônibus que faz a linha Recife-Goiana, passando pela Rodovia PE-15, tem horário incompatível: “Só conseguiria chegar com duas horas de atraso”.

A nova norma traz esperança também para adequar os municípios à Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei Federal nº 12.305/2010), que prevê a implantação de aterros sanitários em substituição aos lixões. Itapissuma é um dos que comemoram. Diretor de Saneamento da Secretaria de Obras e Infraestrutura do município, Renato Fernando Lopes analisou que, com o respaldo da governança interfederativa, a destinação do material ficará mais eficiente. “Atualmente, utilizamos aterro privado em Igarassu. Esperamos reduzir os custos e melhorar a coleta a partir de consórcio com outras prefeituras”, explicou, acrescentando também a possibilidade de se unirem para construir um aterro intermunicipal.

Hoje, Itapissuma desembolsa R$ 53 para tratar cada tonelada de resíduo, fora o custo do transporte e coleta. Os resíduos sólidos do Recife, inclusive, também migram – vão para Jaboatão dos Guararapes.

Ratificando os principais desafios elencados, a secretária de Planejamento de Moreno, Nely Brandão, acrescenta o consenso. “É possível que as prefeituras concorram entre si, quando surgir possibilidade de recursos, o que vai de encontro à ideia de prevalência do interesse comum sobre o local.” Ela afirmou que Moreno já busca diálogo com cidades próximas, a exemplo de audiência pública realizada em janeiro para discutir a continuidade das obras da Barragem do Engenho Pereira, na qual esteve presente integrantes de outros dois municípios. “Noto que o diálogo é facilitado quando são gestões do mesmo partido ou frente, mas é preciso deixar de lado essas questões políticas e focar no debate sobre ações importantes para os cidadãos”, defendeu.

*Reportagem: Gabriela Bezerra/ Assembleia Legislativa de Pernambuco

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