Polícia

Números mostram que crimes de trânsito ficam impunes

A eventual suspensão do direito de dirigir do empresário de 28 anos envolvido no atropelamento que matou duas pessoas, no último fim de semana, na Zona Sul do Recife, só poderá ser decidida pela Justiça. A penalidade poderia ser aplicada a partir de um procedimento administrativo, como em qualquer ocorrência grave de trânsito. O problema é que o registro da infração acabou sendo comprometido pela retirada do motorista do local antes da chegada de agentes de trânsito, o que, segundo a Polícia Militar, foi preciso para garantir-lhe atendimento médico. São detalhes como esse, aliados à burocra­­­cia, que geram um retrospecto desanimador: o de que quem comete crimes no trânsito costuma ficar impune.

Tanto a embriaguez ao volante como o trânsito 50% acima da velocidade permitida na via têm penalidades duras. Podem resultar, por si sós, na suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, o que, num caminho natural, só é obtido quando se acumula mais de 21 pontos em infrações. O problema é fazer valer o peso da legislação. Para se ter ideia, nos seis primeiros meses de 2016, a Operação Lei Seca registrou 3.079 infrações por alcoolemia no Estado, mas só 27 con­­dutores tiveram a CNH suspensa devido a esse tipo de irregularida­­de. O empresário envolvido no acidente, por exemplo, já teve 116 pontos acumulados na CNH. Várias já prescreveram ao longo dos anos. Atualmente, 17 estão valendo e 12 estão em pré-registro. “No caso de recursos, há uma série de prazos a serem cumpridos, o que, conforme a demanda, pode levar mais ou menos tem­­po”, explica Simíramis Queiroz, presidente do Conse­­lho Estadual de Trânsito (Ce­­­tran-PE), última instância à qual condutores notificados po­­­dem recorrer. “Não dá para di­­­zer se houve falha ou julgar. A condu­­­ta dos agentes públicos es­­­tá sendo apurada. Mas, num ca­­so co­­­mo o do último fim de semana, que não pôde ser constatado administrativamente, na­­­da impede que o judiciário aplique a pena de suspensão”, completa.

Um dos casos emblemáticos que deixaram sensação de impunidade é o da morte da técnica de enfermagem Aurinete Gomes. O carro em que ela estava foi atingido por um veículo a mais de 100 km/h também em Boa Viagem, em 2008. O motorista ha­­via ingerido bebida alcoólica antes da ocorrência. Em 2014, após seis anos de aflição dos parentes da vítima, foi con­­­denado a oito anos em regime semiaberto, mas recorre em liberdade.

“No nosso caso, estava tudo ali, a bebida, o estado do motorista, mas o flagrante foi livrado. Estamos tentando resistir, mas tudo caminha para ficar por isso mesmo”, lamen­­­ta Maria Eduarda Silva, cunhada de Isabela Lima, 26, uma das vítimas do acidente do último fim de semana. A jovem e o amigo, Adriano San­­­­­tos, 19, foram atropelados sobre uma das calçadas da comunidade Entra Apulso, na avenida Desembargador José Neves, em Boa Viagem. A população local promete fazer um protesto hoje, após a missa de sétimo dia.

Dados
Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, o número de mortes de pedestres vem caindo nos últimos dois anos, mas ainda está entre os mais altos em meio às vítimas de acidentes de transporte terrestre. Foram 292 casos, em 2015, ante 386, em 2014. A alta velocidade e a embriaguez ao volante são fatores decisivos, combinação que também pode ter causado a ocorrência do último sábado. A suspeita é investigada pela Polícia Civil com base em perícias e num prontuário fornecido pela unidade de saúde onde o condutor do carro foi atendido.

Folha PE

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